O ano que terminou e este que agora se inicia fez-nos passar por momentos que, se pudéssemos, apagaríamos da nossa vida. Perdemos entes queridos, chorámos por eles e sentimos muitas saudades da sua presença. Custa, custa muito. Nada é mais forte do que o sentimento e contra ele nenhum exército sai vencedor. Este ano que terminou fez-me sofrer a dobrar e numa delas, insurgi-me contra Deus. Não foi justo. Mas depois da mágoa passar, apesar da dor, por vezes, espreitar, apoio-me nesta fé que a minha Mãe me transmitiu e sei que isto é uma passagem. Tem de ser uma passagem. Nada pode ser efémero. Um dia, senti que os meus Avós me observavam junto à minha cama. Estendi o braço e senti-os. Isto é verídico. E sei que a minha Tia Emília anda por aqui. Ela era a melhor pessoa do mundo. Por isso, Sylvie, Ana Barros, Quim, Sílvia, Sandra e Rui, a vida é sempre uma celebração e a Terra apenas um Céu infinito. Quero aqui deixar-vos este poema de Fernando Pessoa que transmite exactamente o que pretendo dizer-vos: a morte não é o fim, mas sim ''a curva da estrada''. A estrada simboliza a vida e esta continua, mas de outra forma ou noutra dimensão. Morrer significa apenas não ser mais visto e não deixar de existir.
A morte é a curva da estrada.
Morrer é só não ser visto.Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
O. C., I, V, Poesias, p. 144.
Fernando Pessoa - Poemas Ocultistas- 23/05/1932